Meu pai se foi em uma agradável
madrugada de outono, em meio a um clima fresco, bem característico da estação
que marca o equinócio de verão e o solstício de inverno. Uma época considerada não
só melancólica como de transição, um tempo que para muitos é prelúdio de
mudanças. Quando as ramagens se renovam e as rajadas de ventos espalham e colorem
de tom pastel, ruas, quintais, calçadas e telhados com flores murchas, folhas
amareladas e gravetos secos, marcando um tempo que é de partida.
De encontro ao silêncio eterno,
assim ele se foi, na exata hora que despontava no crepúsculo do firmamento
celeste, a mini lua, quando o astro se torna menor por estar em um ponto mais
distante da terra em seu processo constante de rotação. No momento que ocorria
o fenômeno do planeta secundário, seu espírito se desprendeu e se afastou para
não mais voltar. Certo do cumprimento de sua missão.
Era cheia de lua, apreciada e
romantizada pelos amantes, cujo simbolismo representa período de plenitude e
concretização. Uma energia diferente paira no ar, que nem a ciência após, anos
de estudos consegue decifrar, quando o aluamento torna-se cem por cento cheio.
Esta época induz o parto de mulheres prestes a parir e no caso da agricultura,
temporada propícia para plantar ou colher.
No breu da noite, ele foi
recolhido, onde a força gravitacional sobre a terra diminui e entra em
hibernação junto com metabolismo o humano, que em descanso e estado de vigília,
reduz a atividade para os órgãos e corpo repousarem.
Seu apogeu na
sombra notívaga, sem alardes e em entrega, como um pássaro recém-liberto de uma
velha gaiola já limitante, que outrora lhe servira para voos repletos de
grandes feitos em seu intenso viver. Migrou distância até encontrar sua fêmea,
construir seu ninho, incubar seus ovos, aguardar o desmame de suas crias, em um
completo ciclo evolutivo.
No silêncio
característico que o negrejar possui, enquanto todos adormeciam em seu descanso
diário à espera do alvorecer, quando se ouve apenas o ecoar de um som mudo noturno
e a lua prateada envolta por estrelas a iluminar o céu. Onde apenas o murmúrio
dos amantes encerrados em paredes a se amar e o tilintar de copos prestes a se
esvaziar em bares, quando o ronco seco do motor de um ou outro carro que passa
e estremece de ruídos a avenida vazia foi assim, que meu pai se foi em
concórdia de encontro ao seu repouso.
Recolhido,
encerrado em seu momento final, seu corpo adormeceu no eterno sono. O que
restou foi um semblante sereno de um homem, que seguiu em paz de volta para casa,
junto ao encontro do poder de seu criador.
Seu espírito
impulsionado pelo desprendimento é como a lenda daquele pássaro que, nos
momentos finais, se despede com um canto supremo e sublime e o mundo inteiro
pára para ouvi-lo e Deus sorri no céu.
Desligado bate rapidamente suas asas para livre, plainar no ar. Radiante pelo cumprimento de sua incumbência.
E assim que ele, meu pai, se foi...