sábado, 2 de julho de 2016

O dia que meu pai se foi...


Meu pai se foi em uma agradável madrugada de outono, em meio a um clima fresco, bem característico da estação que marca o equinócio de verão e o solstício de inverno. Uma época considerada não só melancólica como de transição, um tempo que para muitos é prelúdio de mudanças. Quando as ramagens se renovam e as rajadas de ventos espalham e colore­­m de tom pastel, ruas, quintais, calçadas e telhados com flores murchas, folhas amareladas e gravetos secos, marcando um tempo que é de partida.

De encontro ao silêncio eterno, assim ele se foi, na exata hora que despontava no crepúsculo do firmamento celeste, a mini lua, quando o astro se torna menor por estar em um ponto mais distante da terra em seu processo constante de rotação. No momento que ocorria o fenômeno do planeta secundário, seu espírito se desprendeu e se afastou para não mais voltar. Certo do cumprimento de sua missão.

Era cheia de lua, apreciada e romantizada pelos amantes, cujo simbolismo representa período de plenitude e concretização. Uma energia diferente paira no ar, que nem a ciência após, anos de estudos consegue decifrar, quando o aluamento torna-se cem por cento cheio. Esta época induz o parto de mulheres prestes a parir e no caso da agricultura, temporada propícia para plantar ou colher.

No breu da noite, ele foi recolhido, onde a força gravitacional sobre a terra diminui e entra em hibernação junto com metabolismo o humano, que em descanso e estado de vigília, reduz a atividade para os órgãos e corpo repousarem.
Seu apogeu na sombra notívaga, sem alardes e em entrega, como um pássaro recém-liberto de uma velha gaiola já limitante, que outrora lhe servira para voos repletos de grandes feitos em seu intenso viver. Migrou distância até encontrar sua fêmea, construir seu ninho, incubar seus ovos, aguardar o desmame de suas crias, em um completo ciclo evolutivo.
No silêncio característico que o negrejar possui, enquanto todos adormeciam em seu descanso diário à espera do alvorecer, quando se ouve apenas o ecoar de um som mudo noturno e a lua prateada envolta por estrelas a iluminar o céu. Onde apenas o murmúrio dos amantes encerrados em paredes a se amar e o tilintar de copos prestes a se esvaziar em bares, quando o ronco seco do motor de um ou outro carro que passa e estremece de ruídos a avenida vazia foi assim, que meu pai se foi em concórdia de encontro ao seu repouso.
Recolhido, encerrado em seu momento final, seu corpo adormeceu no eterno sono. O que restou foi um semblante sereno de um homem, que seguiu em paz de volta para casa, junto ao encontro do poder de seu criador.
Seu espírito impulsionado pelo desprendimento é como a lenda daquele pássaro que, nos momentos finais, se despede com um canto supremo e sublime e o mundo inteiro pára para ouvi-lo e Deus sorri no céu.

Desligado bate rapidamente suas asas para livre, plainar no ar. Radiante pelo cumprimento de sua incumbência. 
E assim que ele, meu pai, se foi...


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