quinta-feira, 28 de julho de 2011

Adorada infância...

Nasci em 1978, e uma época que criança ainda tinha infância. A malícia que se perde hoje em dia, por volta dos 10 anos, naqueles áureos tempos nem existia, ou se existia era algo bem camuflado pelos adultos.
A criança tinha seu mundo à parte e não participava do mundo em que só pessoas grandes habitavam. Ainda lembro a frase e sem nenhum esforço consigo sentir,  a dorzinha aguda, dos muitos cascudos que tomei na cabeça ao ultrapassar a barreira imposta pela minha mãe "isso é conversa de adulto! Vá brincar!". Quando minha presença era inevitável, eles, os adultos, só falavam em códigos e eu fazia um esforço tremendo para desvendar e o pouco, que meu raciocínio infantil captava era rapidamente transformado em uma cena teatral. Eu, olhos baixos, observando qualquer coisa que tinha na minha frente e com cara de paisagem. Ela jamais poderia desconfiar que tinha entendido trechos de sua conversa, se não a cinta comia no lombo.
Opinar então, fora de cogitação! Era um tapão na boca!
Dois mundos distintos e uma barreira intransponível no meio!
No meu baú de recordações, nos anos dourados de minha infância, o mundo também era diferente. A sociedade não era dividida, como é hoje, por classes A,B, C ou D. Existiam os bem de vida, os pobres e a tal "classe média", que tanto se fala hoje, era minoria. Essa invasão de produtos chineses, dito importados, nem circulavam por aqui. Ou era o original, com todas as taxas de impostos embutidas no preço, ou sem chance, passava vontade mesmo!
Uma das principais fabricantes de brinquedos do mercado era a "Estrela", se não a única. Embora sem muitas condições, em datas comemorativas, nunca me faltou um brinquedo novo, graças a insistência da minha mãe, que nunca deixou passar em branco. 
Atribuo muito da minha infância feliz à minha tia madrinha, vendedora por muitos anos na Estrela. Presenteava todas as crianças da família, não com roupas, nem sapatos pois, toda criança que se preze odeia ganhar esses itens de presente e sim com brinquedos, muitos brinquedos.
Sou da época do Atari, da boneca Bem-me-quer, do Fofão, do Pogobol, do patins de quatro rodas, do Bozo na televisão, da Xuxa abrindo seu programa diário com o hit "quem quer pão, quem quer pão, que tá quentim, tá quentim...", da bicicleta herdada da irmã mais velha (é sina de segunda filha ficar com sobras). Com todo privilégio de uma infância de classe média, sem necessariamente pertencer a esta classe, fui criança e pude conhecer a rua e toda diversão que ela reserva.
Pular amarelinha, jogar saquinhos de areia, bater figurinhas, corre-corre, esconde-esconde, pular corda, fazer comidinha com terra, pedra e capim, bouquet com flores que nasciam no mato, construir cama, mesa, e armário com ripas de madeira, ou com amigos, uma máquina do tempo com lâmpada velha, parafusos, fios elétricos e tantas outras parafernálias que minha memória não permite resgatar com tanta exatidão, e o carrinho de rolimã? Sentar, pegar impulso, controlar com os pés e dar cavalinho de pau em alta velocidade, era adrenalina pura. Sem contar que apanhava um bocado do meu pai, toda vez que era pega em cima de um, inadmissível em sua opinião, para uma menina.
À noite era para contar estrelas, sem apontar o dedo é claro, se não nascia verruga. Sim, no meu tempo o ar era puro, não tinha tanta poluição e elas, as estrelas, podiam ser vistas a olho nu, e temas como meio ambiente, efeito estufa, não era uma preocupação constante. O dia, parte dele, reservava para observar os muitos desenhos que se formavam nas nuvens: elefante, anjo, panela, carneiro, coração, monstro e ali, deitada no chão, as horas passavam.
A infância de hoje evoluiu, ou para muitos regrediu, mulheres cada vez mais presentes no mercado de trabalho, violência, excesso populacional, mães solteiras, casamentos fracassados, ou simplesmente porque nossa espécie progrediu, e como em um processo natural, precisou se reinventar para acompanhar as mudanças e assim conviver de forma harmoniosa na sociedade. Tudo isso ou mais, tornou a fase mais bonita da vida, um verdadeiro cárcere tecnológico.
Até a alfabetização está em vias de sofrer "avanços", afinal é ultrapassado o aprendizado do be-a-bá com letra cursiva. Não duvido que em um futuro não muito distante, lápis, borracha, caderno, sejam itens em extinção, assim, como a lista de material escolar, tendo como substituto apenas um notebook.
Aos 33 anos, me considero privilegiada. Vivi a transição de uma infância inocente, popular, quase artesanal, em que apenas a criatividade era um convite à diversão, para uma infância tecnológica, eletrônica, que exige raciocínio, mas, que não precisa ser criada porque já vem pronta. 
De que geração sou? X,Y,Z,XY, Alfa? Eu não sou, eu vivi de forma intensa as gerações anos 70, 80, 90 e viverei tantas outras que vier pela frente.
E resgato memórias nostálgicas, antes que minha Random Access Memory (leia-se memória RAM) comece a dar pane com o passar dos anos.  

O que acabo de escrever é uma tentativa de crônica, portanto, os personagens e situações não necessariamente são reais. Talvez nem eu, autora do texto, seja real!

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