sábado, 23 de julho de 2011

Grita Giovanni, grita!!!

Parado no ponto de ônibus, a espera de um carro adaptado, sim pois, nem todos são, essa é rotina que lhe assegura o direito de ir e vir.
Cadeirante há 10 anos, sua mobilidade física ocorreu de forma gradativa e talvez por isso, parte da limitação imposta pela vida, não o tenha transformado em um indivíduo amargurado. Antes da cadeira ser seu principal meio de locomoção, um par de muletas sustentavam seu corpo na superação de tantos obstáculos diários.
Dentro do ônibus, já devidamente preso ao cinto de segurança, apesar do dia frio, o suor escorria de sua testa e uma tosse intermitente denunciava a fragilidade de sua saúde. Me aproximo e pergunto se está tudo bem. Gentilmente sorri, agradece e põe a culpa em uma gripe mal curada. Nos dias seguintes, o peito cheio e a sudorese, não cessam.
Farrista, bom vocabulário, fala de futebol, economia e política com desenvoltura e arranca risos alheios facilmente. Eu penso...grita Giovanni, grita! Extravasa sua revolta, porque lhe roubaram os movimentos da perna? Reclame, esbraveje, chore Giovanni! Mas, ele ri e diz ser o único culpado daquela situação, por ter teimado e tomado refrigerante gelado.
Trabalha das 08h as 18h, seu percurso diário incluí 3 conduções na ida e 3 na volta, o trem ele dispensa, além, de achar lotado quer evitar aborrecimentos para outros passageiros. Já ouviu reclamação do tipo "cadeirante deve evitar sair de casa em horário de pico. E ele ri. Vai falar isso para o meu patrão"!!!
A força que as pernas não têm foram transferidas para as mãos ágeis, que giram com uma velocidade impressionante as rodas. Dificilmente aceita que empurrem sua cadeira, não por falta de humildade, e sim porque consegue ser mais rápido do que meus passos.
Embora parcialmente limitado, todos os outros sentidos foram desenvolvidos. Com olhos de águia, tornou-se um grande estrategista, calcula rapidamente e de forma antecipada, o trajeto que terá que percorrer para andar com sua cadeira em locais onde falta acesso. Buracos há muito, deixaram de ser empecilhos "10 anos em cima de uma cadeira, dá para aprender alguma coisa né"? A motorizada além, de cara é frágil para sua rotina e estilo de vida.
Mora sozinho, se vira bem, apesar de não ter uma casa adaptada. Não sei seu passado, também não me acho no direito de perguntar, se tem filhos, se já foi casado ou se possui parentes próximos que lhe auxiliam assim, como não faço ideia do que se passa em seu íntimo, nos momentos em que está só.
E penso...grita Giovanni! Xingue, desabafe, reclame, você pode! E quanto mais penso...mais ele ri! Um riso contagiante!

5 comentários:

  1. As vezes chego a pensar porque o nosso governo não dá condições aos cadeirantes de adquirirem veículos adaptados especificamente para estes casos, a preço bem módicos, para que não só o Giovanni, mas sim, muitos, milhares Giovanni possam ter o direito de ir e vir, principalmente trabalhar.
    Basta querer fazer acontecer.
    Giovanni você não é herói, você é mais um brasileiro que as autoridades não dão bola.

    João Bosco

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  2. O Giovanni me lembra uma história de um homem que perdera um braço por causa de um cirurgia no hospital. Apesar de tudo, ele não se deixa abater e creditava sua força ao otimismo. Dizia que era uma questão de escolha, que ao invés de ficar triste por causa disso, ele resolveu sorrir. Acredito que pessoas que se encontram em condições como essas são grandes exemplos de superação e lições de vida.

    Penso que essa sociedade está deficiente de compaixão e sensibilidade humana, pois todos nós somos seres humanos e merecem ter um tratamento que não exclua que não se encaixe nesse ou naquele perfil. Mas para que haja mudança, é preciso conscientizar o pensamento também. Porque rir ou se incomodar quando um cadeirante pega um trem no dia de pico? Ele trabalha e ganha seu dinheiro honestamente como todos, não deixa de ser um cidadão como todos os outros.

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  3. Opa, só voltando aqui para parabenizar a sensibilidade do teu texto e a forma como descreve o dia a dia dele. Somente com olhar apurado para a realidade, consegue captar algo assim que têm de ser relatado.
    Parabéns, beijos.

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  4. Menina Fernanda, obrigado por mais essa gentileza. :)

    bjs

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  5. obrigado por compartilhar isso com a gente. Linda e estimulante.
    Detona Giovanni porque estamos juntos!!!

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