sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Graças a Deus...não sou famosa!

Uma crônica muito mas, muito doida!
Deus me desculpe a blasfêmia, de colocar seu santo nome em vão mas, graças a ele não sou famosa.

Tem gente que persegue a fama a todo custo e faz disso uma meta de vida, enquanto outros nascem com a estrela já predestinada ao sucesso. Neste caso não há como questionar o inquestionável, o tal "destino", se é mesmo que ele existe (entraria aqui a discussão sobre livre-arbítrio), e toda áurea de mistério que o ronda.      

E já dizia minha boa e velha mãe (Freud explicaria a figura materna tão presente em minha vida) "o mundo precisa dos ricos e dos pobres, é necessário ser assim para se obter equilíbrio" e seguindo essa linha de raciocínio é fácil supor que existem os famosos e os anônimos. E isso me faz lembrar das palavras de uma ex-chefe "tem gente que nasceu para mandar (no caso ela) e outras para executar (no caso eu)" e tirando o tom áspero e autoritário, ao pensar friamente sem a carga emocional de sua verbalização concluo: o pensamento foi sábio! É assim que o mundo é e é assim que tem que ser.

Enquanto faço o esboço deste texto, me encontro sentada em minha cama com uma almofada no colo que me dá o apoio necessário para o meu velho caderno. Meu cabelo preso em um cóqui malfeito, uma calça larga de moletom e uma blusa de lã complementam meu visual, nada de sofisticado! Apenas uma veste confortável. Meu rosto, livre de recursos que disfarçam de forma momentânea imperfeições naturais que me caracterizam como um ser único e marcas que o tempo faz questão de fincar em nossa expressão.

Com a janela e cortina aberta, o sol reluzente e quente, me aquece na tarde de inverno e uma sensação sublime me invade. Sim, este pequeno e simples cenário me trás uma alegria imensa. E me pergunto: se fosse famosa, poderia desfrutar com tranquilidade este momento? Eu, sentada, cama, escancarada, largada, tranquila e feliz, sem nenhum paparazzi pendurado em minha janela ou escondido no telhado de algum vizinho, ou no meu próprio quintal à espreita, à espera do momento perfeito, para o clique.

Na segunda cena, o clique foi feito, a margem de lucro do fotógrafo garantida, e no dia seguinte a foto estampada nas principais revistas de fofoca e celebridades. O clique do ano, e eu crua, despida de qualquer artifício.

E só de pensar nisso tudo me dá pânico, pavor, claustrofobia, desespero e vontade de gritar.

E se em questão de segundos essa situação se propagasse nas redes sociais e se digitasse meu nome em um buscador e as três primeiras páginas fossem matérias sobre esse fato, e se meus amigos virtuais e não virtuais,  gravassem minhas fotos: família, praia, danceteria, no churrasco, daquele lance, e vendessem, sim as vezes o lucro é a todo custo, para as revistas?

E se começassem a vasculhar tudo que postei na internet e descobrissem que troquei o "c" pelo "s", que quando me atrevi a falar sobre política, errei a sigla do partido, e se a Associação Protetora dos Animais caísse matando em cima de mim porque dei uma chinelada no meu cão, por ele mijar e latir excessivamente (a situação aconteceu no dia que recebi minha vizinha em casa), e o Ibama me multasse porque cortei do meu quintal, porque atrapalhava a construção de uma coluna, a Caesalpinia Equinata (conhecida popularmente como Pau Brasil) em extinção? E na saída daquele restaurante, quando sorri e o fotógrafo me pegou com uma salsinha no dente ou quando me clicaram bem na hora que eu torcia o nariz devido ao cheiro daquele mendigo, embora compadecida com sua vida, que passou por mim fedendo a xixi?

E por esses e outros deslizes meu nome perpetuasse durante meses em destaque?

Aí ligo a televisão e vejo equipes de especialistas (psicólogo, padre, advogado, diretor de ONG, educador), reunidos na tentativa de desvendar, junto com o apresentador, o porque do meu comportamento, o porque da minha mente doentia. Virei um demônio nacional! Famosa, talentosa, no auge, no topo mas, possuída por uma entidade maléfica não definida.

Desnorteada com tanta exposição resolvo ir a uma balada. Triste, acabada, tomo "umas" para esquecer mas, bebo além, da conta, me empolgo na pista de dança com movimentos estranhos, com a maquiagem escorrendo e o cabelo bagunçado, e de pilequinho, sou pega com a boca meio torta, um olho aberto e outro fechado e pronto. A merda tá feita! De novo eu, em destaque, nos noticiários. Só que dessa vez aparecem testemunhas que afirmam que me viram diversas vezes em bocas de fumo, ao lado de traficantes, comprando todos os tipos de drogas ilícitas. Pronto! Virei uma viciada!

Famosa, talentosa, no auge, no topo, possuída, demoníaca e drogada, o que mais me falta acontecer?

Como penso no próximo, e isso é hábito, resolvo fazer mais uma de minhas muitas boas ações, afinal sou rica e embora sem privacidade e com tantos problemas, dinheiro para mim brota como água na nascente! E resolvo doar 1 milhão para uma instituição de caridade mas, o ato toma uma proporção gigantesca que vem acompanhado de um calvário de críticas. O que fiz foi marketing pessoal e social, a forma mais barata e inteligente de me promover. Se me preocupasse de verdade com os menos favorecidos, dispensaria meu carro mega importado, não  moraria em minha mansão de três andares, não desfrutaria da minha coleção interminável de perfumes importados, meu closet não seria gigante e repleto de roupas de grifes e me isentaria de ir pelo menos, 10 vezes ao ano para o exterior.

Acabo de perder minha identidade e já não sei quem sou! Minhas referências se perderam, junto com a fama. Fui recriada, com uma nova personagem que criaram especialmente para mim, e alcancei o patamar de mito!

E a filosofia define o "mito" mais ou menos assim "algo limitado, impossível tirar dele alguma conclusão". E me pergunto se os "mitos", não os da Grécia Antiga mas, da atualidade como Michael Jackson e Amy Winehouse foram felizes?

Me refiro como mito, nem no sentido de endeusá-los tampouco vitimá-los. Entraram ambos na história pois, foram grandes ícones da música e coincidentemente tiveram vidas reviradas pela exposição excessiva. Amy e Michael sem isentá-los das respectivas parcelas de culpa, eram pessoas visivelmente polêmicas e problemáticas. A fama  no caso deles, teve um preço muito alto. Mais pagaram por ela, do que desfrutaram de sua glória.

No caso à mídia, não é vilã. Somos nós, os vilões, consumidores ávidos da desgraça alheia. Enquanto houver público, há espetáculo. O show não pode parar!

E enquanto finalizo o esboço deste texto, aos poucos o sol se despedi e uma sensação sublime me invade. Sim, este pequeno e simples cenário me dá uma alegria imensa.

E Deus me desculpe a blasfêmia, de colocar seu santo nome em vão mas, graças a ele não sou famosa!

3 comentários:

  1. O preço da fama é sufocante, mesmo!
    Boa crônica, com muito de verdade.
    No palco de nossas vidas, nós, anônimos, escolhemos com quem queremos contracenar...
    Meu forte abraço,
    Yolanda

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  2. A pessoa que não pode viver significativamente hoje não o pode esperar levar uma vida brilhante amanhã . Não importando que grandes planos a pessoa possa fazer, se não valorizar cada momento, será o exatamente como muitos castelos no ar. Todas as causas no passado e todos os efeitos no futuro estão condensados dentro do momento presente da vida. Se melhoramos ou não o nosso estado de vida neste momento, determinar se podemos expiar as maldades que causamos desde o infinito passado e se seremos capazes de acumular a boa sorte que permanecer por toda a eternidade. (Daisaku Ikeda)
    Bjão de uma fadinha que adora voar por ai.

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  3. Muito verdadeiro. De louco nada tem. Mas sua afirmação "No caso à mídia, não é vilã. Somos nós, os vilões, consumidores ávidos da desgraça alheia. Enquanto houver público, há espetáculo. O show não pode parar!" é a verdade mais contundente. Contra isso, impossível lutar, não se pode combater, a menos que se entre no jogo e faça exatamente o mesmo.
    Parabéns.
    Abraço fraterno.
    Nêodo Ambrosio de Castro

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